Souvenir
Vejam bem, que acredito cada vez mais que a vida nos ensina, preenche e significa muito e cada vez mais na medida em que o tempo passa, pelas suas linhas tortas, pelos espaços entre as estradas definidas e recomendáveis. Ontem dei um play no filmaço japa “Departures- the gift of last memories” e, durante o tempo do filme, viajei na maionese, no pastel e na paçoquinha, num movimento para os cafundós de dentro da minha cabeça. Em que momento específico precisamos, NECESSITAMOS abrir mão de certezas para, do vazio do novo incerto surgir o espaço da investigação e, por conseqüência, da descoberta? Qual é o break point, onde e como sairá de dentro de nós o grito FUNDAMENTAL que quebra o cabaço, que arrebata os formalismos e nos leva rumo à elevação da maturidade?
O japonês do filme a vida toda tocou violoncelo, desde pequenininho. Fez do prazer ensinado pelo pai um ofício, um receptáculo de ansiedades. Quando decide mudar tudo, volta para sua cidade natal e, por acaso, vira discípulo de um embalsamador, de um cuidador de defuntos. O cadáver puro e simples, a carne morta, os odores vencidos e pútridos do olhar da tradição preconceituosa são lidos- e ressignificados- pela beleza e pela apreensão das memórias só reveláveis num último olhar para nossos amados no leito já concreto da morte. “O presente das últimas memórias” a que se refere o subtítulo em inglês é esse souvenir, é a soma das lembranças que nossos heróis-embalsamadores acumulam a cada cerimônia fúnebre realizada.
A relação de uma vida aparece aí: diante da morte, qual nosso último gesto? O importante é saber que, depois de morto, a gente assume a dimensão da memória, da inspiração, da transposição. Depois da experiência do expirar, a música da vida toca mais fundo e mais leve, num desejo- dessa vez realizável- de atravessar o muro na direção do sentido do ser. No filme, fica mais gostoso ouvir os graves e os agudos do violoncelo protagonista na medida em que cai a ficha e a gente se dá conta que, um dia, todo mundo acaba pra ganhar, junto com a maquiagem fúnebre, o sentimento honesto, puro e simples. A gente vive melhor sabendo da morte no final quando transforma o comichão perturbador da Dúvida em uma música só nossa.
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