28 de fevereiro de 2010

FORMAÇÃO DO PÚBLICO

Por Otávio Dias

Falarei em democratização. Não trato neste de qualquer movimento político, é bom que se saiba. A idéia é falar sobre popularização, divulgação, permitir o acesso a universos diferentes. É um assunto importante pra mim porque ponto filosófico: como mudar a cultura de um povo? Como expandi-la, colocá-lo em contato com novos assombros? Se você quiser ler apenas sobre mágica, pula direto pra seção Sobre a Mágica; quem quiser o tour completo, bem... “sigam-me os bons!”

Começo pela experiência própria.

Hoje

Sobre livros e quadrinhos? Quis ler O senhor dos anéis ainda na década de 1990 – só encontrava edições lusitanas – mas acabei com O mundo assombrado pelos demônios no colo. Daí pra frente, mistura total: leio Shakespeare, Saramago, Eco, Nelson Rodrigues, Pessoa, Nietzsche, García Márquez, entre outros (e, claro, mas não tão orgulhoso quanto outros por aí, Tolkien). Assisto Seinfeld, Von Trier, Chaplin, Kubrick, Allen, Tarkovsky, Kurosawa, Spielberg, Eastwood.


Comecei por algum lugar. Pra chegar a esses autores todos, tão diferentes e com tais qualidades, fui antes apresentado à Ruth Rocha e seu O reizinho mandão e Procurando firme e ao Luiz Antonio Aguiar e seu O Poderoso Zé. Um processo que algumas pessoas chamariam de educação e outras de democratização. Ambas acabam por dizer exatamente a mesma coisa: é preciso formar público.

Pouquíssimos serão aqueles, hoje, que se tornarão apaixonados por livros tendo como primeira experiência de leitura o Ulisses de James Joyce ou A Jangada de pedra de José Saramago. Não é, nem de longe, uma discussão sobre a qualidade literária destas obras; trata-se, creio, de uma questão de tradução (falei en passant sobre o assunto quando escrevi sobre o Sherlock Holmes de Guy Ritchie, aqui).

Sobre a formação de público, que temos? Se a discussão for literária, encontraremos um bocado de gente que acha perda de tempo ler os livros da série Harry Potter, Crepúsculo ou qualquer coisa do Dan Brown. Até concordo, mas me lembro bem que a leitura do cânone brasileiro durante a adolescência não me levou, por si só, a leitura de bons livros (uma relação causal duvidosa, diga-se de passagem). Se li bons livros é porque fui apresentado, antes de mais nada, aos livros.


Sobre a mágica

Quando caímos nesse mundinho artístico, tudo tem tendência a ganhar ares subjetivos. Todo mundo sabe alguma coisa, pode dar pitaco. E, em princípio, pode mesmo; deve, até. Não sendo ciência exata, dá pra se discutir muito, chegar a formas e filosofias diferentes, sem que se chegue a um consenso final. É assim com o teatro, é assim com o cinema; caramba, é assim com a história, a psicologia.

Na psicologia e na história, há idéias que perduram por mais tempo, porque soam melhor; idéias que muitas vezes são excludentes, mas que arrebanham seguidores de um e outro lado. No problemo, você escolhe seu analista e tá, tudo bem. Muitas vezes o paciente nem sabe qual o método do analista, pra ele pode bem soar como um bate-papo e nada mais (saudades de assistir Família Soprano). Agora, se não chegaram num consenso sobre psicologia, por que cargas d’água haveria de se chegar a um consenso sobre o que é mágica e como ser mágico?


O conhecimento pode ser mágico, se outras pessoas não o têm (Senhorita Level pra Tiffany, em Um Chapéu Cheio de Estrelas, de Terry Pratchett)

Fazer mágica é como cozinhar. Explico: na cozinha, assim como na mágica, temos uma quantidade de elementos X: panelas deste ou daquele tipo, 30 tipos de facas pra tarefas específicas, peneiras, abridores e, claro, o arroz, o feijão, a batata, o alecrim, o alho, a cebola e ingredientes e ingredientes – a comida é tão importante que foi dos principais motores das grandes navegações, no séculos XV e XVI –. Chega de digressões.


(David Copperfield, Jerry Seinfeld e Alex Atala)


E cozinhar pode ser como fazer mágica, nem adianta resmungar. Cada um trata os diferentes elementos da comida de uma maneira, cozinha de um jeito – por preferência ou porque não tem aquela panela específica e precisou ser criativo pra chegar ao resultado desejado, por qualquer razão que seja – e, olha só: cada cozinheiro chega a um resultado diferente. Pra quem cozinha e não chega a resultado tão satisfatório quanto aos obtidos por um Alex Atala, considerá-lo mágico é tarefa das mais fáceis. Aliás, freqüentemente se usa a palavra “mago” como referência a alguém muito bom em seu campo. Coincidência?

Um dos principais elementos da cozinha e da mágica comercial é a apresentação. Aliás, é dos principais elementos no comércio e na vida: existe fulano e a imagem que fazem de fulano, que podem não ter qualquer relação. Sua imagem é o que seu cliente vê, é o que o entrevistador do RH vê, é o que sua namorada vê; e você não tem apenas uma imagem, tem várias: o cliente, o entrevistador e a namorada não te vêem igual, muito provavelmente. Os americanos entendem essa relação de imagem no show business melhor que ninguém (o que só ajuda a explicar o fato de serem os maiores produtores de entretenimento no mundo).

Aí, bastards, eu volto à entrada que a Bianca colocou no ar há uns dias, sobre o caso da mágica em CSI: NY. O investigador vai lá, faz surgir uma flor de verdade a partir de uma criação sua de papel e depois explica: "uma vez que saiba fazer o truque, todo o resto fica por conta da apresentação". Tá, a tradução foi livre; principalmente se considerarmos que o termo usado pelo detetive não foi apresentação e sim showmanship, que é um conceito muito pessoal porque envolve estilo, carisma e, claro, técnica.

Cada mágico – amador ou profissional – tem que fazer sua própria mágica, o que não significa necessariamente criar um número inteiramente novo e sim encontrar seu jeito próprio de apresentar um número. Como o Atala e seu feijão fabuloso (não abriu o link, né? Volta lá e lê). Ter os mesmos ingredientes à disposição não é garantia de que o rango de dois cozinheiros diferentes será idêntico; nem de que aquele número de mágica só é bom quando executado do jeitinho que foi pelo criador, num passado remoto. Rá!

Imagem, imagem, onde quero chegar? Dois pontos: apresentação e democratização. A imagem que o brasileiro tem da mágica ainda é a de que ela é coisa de festa infantil e circo. Nada contra circo, nada, mas a mágica pode estar presente em muitos outros lugares: na festa de aniversário do vovô, na televisão, no lançamento do livro, na praia, na inauguração da empresa, no teatro, na sala de aula, na casa de espetáculos, no carro com a criançada, no planetário, na rua, no bar, atrás da moita. Em cada espaço pode ser apresentada com uma roupagem diferente, apropriada pro público alvo e adaptada a uma realidade diferente. Pode ser usada pra entreter ou, ainda, como ferramenta em argumentação ou treinamento.

Como o grande público pode aprender o potencial do ilusionismo? O mercado da mágica brasileira faz questão de ser mais fechado que pote de palmito, acontecendo entre amigos e quase nunca com visibilidade. Pra ganhar espaço na vida e na cultura de nosso povo, é preciso que exista um cenário visível, com gente atuante em todos os níveis. Fenômeno recente que serve de exemplo é a explosão do stand up, por aqui; hoje ele tem um cenário muito bem estabelecido e há apresentações por todo o país, inclusive com presença marcante na mídia de massa. A galera tá soltando a franga na reunião de família, no encontro com a galera da facul no boteco, fazendo brincadeirinhas pra conquistar uma gata. Humor qualquer um pode fazer, mágica não? Ah, formemos público, bons mágicos e, pelamor, magos, chega de chatice.


Clique aqui para conferir o blog do Otávio Dias


2 comentários:

Marcel disse...

É isso ai Otávio!

Thiago disse...

Adorei o texto muito bom.

Sou leitor assíduo do blog do Ismá.